Autores:
Abílio Rigueira Domingos – CRMV MG 7365
Gustavo de Castro Bregunci – CRMV MG 7160
Subtítulo:
A integração entre dados de saúde humana, animal e ambiental com o apoio da Inteligência Artificial está se tornando um pilar estratégico no combate a zoonoses, na vigilância epidemiológica e na promoção da Saúde Única.
Um conceito que une espécies e sistemas
A abordagem One Health (Saúde Única) reconhece que a saúde humana, animal e ambiental estão profundamente interligadas. Doenças infecciosas emergentes, resistência antimicrobiana e mudanças climáticas são desafios que ultrapassam fronteiras biológicas e exigem respostas coordenadas.
Nesse contexto, a Inteligência Artificial (IA) vem se consolidando como uma ferramenta essencial para o monitoramento, prevenção e resposta rápida a ameaças que impactam múltiplas espécies e ecossistemas [1].
Ao processar grandes volumes de dados epidemiológicos, ambientais e genômicos, a IA possibilita modelos preditivos de surtos, identificação de padrões de transmissão e suporte às políticas públicas integradas de saúde.
Como a IA atua na Saúde Única
Os sistemas de IA aplicados à vigilância epidemiológica já são capazes de:
- Analisar dados em tempo real provenientes de clínicas veterinárias, hospitais e redes de diagnóstico;
- Detectar anomalias em padrões de atendimento ou mortalidade que podem indicar surtos emergentes [2];
- Cruzar informações ambientais e climáticas com dados clínicos de animais e humanos para prever riscos zoonóticos;
- Modelar cadeias de transmissão de patógenos entre espécies, auxiliando na formulação de medidas preventivas;
- Apoiar o uso racional de antimicrobianos, reduzindo a disseminação de bactérias multirresistentes entre humanos e animais [3].
Essa integração entre IA, ciência de dados e vigilância sanitária amplia a capacidade de resposta frente a doenças emergentes como influenza aviária, raiva, leishmaniose, febre maculosa e outras zoonoses relevantes para o Brasil.
Aplicações práticas e exemplos recentes
Modelos de aprendizado de máquina (machine learning) têm sido usados com sucesso para prever surtos de doenças zoonóticas em diferentes regiões do mundo.
Um estudo publicado na Frontiers in Veterinary Science destacou o uso de algoritmos de IA na análise de padrões epidemiológicos de doenças infecciosas em rebanhos, permitindo previsão antecipada de surtos e otimização de medidas sanitárias [1].
Outra revisão conduzida por Yusuf et al. (2024) mostrou que ferramentas digitais baseadas em IA contribuem para melhorar a gestão de antimicrobianos e a detecção precoce de doenças infecciosas em ambientes veterinários, sobretudo em países com infraestrutura limitada [3].
No campo ambiental, sistemas de IA também vêm sendo empregados na análise de dados climáticos e de biodiversidade, ajudando a correlacionar variações de temperatura, desmatamento e comportamento animal com o surgimento de patógenos zoonóticos [4].
Essas iniciativas demonstram que o uso estratégico da IA dentro do conceito One Health é uma ponte entre a tecnologia e a sustentabilidade sanitária global.
Desafios e considerações éticas
Apesar do potencial transformador, a aplicação da IA no contexto One Health exige cuidados. Entre os principais desafios estão:
- A integração de bases de dados heterogêneas, frequentemente fragmentadas entre setores;
- A falta de padronização nos registros clínicos e ambientais;
- As questões éticas e de privacidade, especialmente no compartilhamento de informações entre instituições;
- A disparidade tecnológica entre países e regiões.
Além disso, a adoção de sistemas de IA deve ser acompanhada de validação científica rigorosa e de supervisão por equipes multidisciplinares que incluam médicos-veterinários, médicos, biólogos, engenheiros de dados e profissionais da saúde pública.
Perspectivas futuras
O futuro da Saúde Única passa por redes integradas de inteligência artificial capazes de correlacionar dados ambientais, clínicos e genéticos em escala global. Organizações como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a FAO e a Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) já trabalham em programas de interoperabilidade que utilizam IA para monitorar agentes zoonóticos e prever emergências sanitárias transfronteiriças [5].
A Medicina Veterinária, nesse contexto, assume um papel central: é o elo entre o campo, o ambiente e a saúde humana. A adoção consciente e ética da IA nesse sistema tripartite é o caminho para respostas mais rápidas, eficientes e baseadas em evidências científicas.
Conclusão
A Inteligência Artificial é um pilar emergente da Saúde Única. Ao integrar dados de múltiplas fontes, ela oferece ao médico-veterinário e aos gestores públicos uma visão sistêmica e preditiva da saúde global. Mais do que tecnologia, trata-se de uma mudança de paradigma: o uso da informação para antecipar crises, proteger vidas e promover o equilíbrio entre pessoas, animais e meio ambiente.
Referências
- XIAO, S. et al. Review of Applications of Deep Learning in Veterinary Diagnostics and Animal Health. Frontiers in Veterinary Science, v. 12, p. 1511522, 2025.
- GOMEZ-CABELLO, C. A. et al. Artificial-Intelligence-Based Clinical Decision Support Systems in Primary Care: A Scoping Review of Current Clinical Implementations. European Journal of Investigation in Health, Psychology and Education, v. 14, n. 3, p. 685–698, 2024.
- YUSUF, H. et al. Expanding Access to Veterinary Clinical Decision Support in Resource-Limited Settings: A Scoping Review of Clinical Decision Support Tools in Medicine and Antimicrobial Stewardship. Frontiers in Veterinary Science, v. 11, p. 1349188, 2024.
- KHATKAR, M. S. et al. Review of AI Applications in Animal Health and Environmental Monitoring. Frontiers in Veterinary Science, v. 12, p. 1511522, 2025.
- WORLD HEALTH ORGANIZATION; FAO; WOAH. One Health Joint Plan of Action (2022–2026): Working Together for the Health of Humans, Animals, Plants and the Environment. Geneva: WHO, 2023. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789240059130. Acesso em: 7 out. 2025.

