Autores:
Abílio Rigueira Domingos – CRMV MG 7365
Gustavo de Castro Bregunci – CRMV MG 7160
Subtítulo:
O avanço da Inteligência Artificial na rotina veterinária traz ganhos de eficiência, mas exige atenção redobrada à proteção dos dados de responsáveis e pacientes — um compromisso ético e legal que vai além da tecnologia.
A nova realidade digital das clínicas veterinárias
A transformação digital na Medicina Veterinária é irreversível. Hoje, prontuários eletrônicos, sistemas de gestão, scribas por voz e plataformas de relacionamento com clientes (CRM) estão profundamente integrados à rotina das clínicas.
Com a entrada da Inteligência Artificial (IA) nesse ecossistema — interpretando exames, automatizando anotações clínicas e interagindo com responsáveis — surge uma nova preocupação: como garantir que os dados sigilosos de responsáveis e pacientes estejam protegidos?
A informação clínica veterinária, ainda que não trate de seres humanos, contém dados pessoais sensíveis, como nome, endereço, telefone, histórico de atendimento, registros financeiros e, muitas vezes, informações sobre lares e hábitos dos responsáveis. Esses dados são alvo de proteção legal e precisam ser tratados de forma ética e segura [1].
O que a lei brasileira diz sobre proteção de dados
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018) estabelece as regras para coleta, armazenamento e tratamento de informações pessoais em qualquer contexto — inclusive o veterinário. Segundo a LGPD, toda clínica, hospital ou empresa que utiliza IA para armazenar, processar ou compartilhar dados deve:
- Ter uma base legal para o tratamento das informações, geralmente o consentimento explícito do responsável pelo animal;
- Garantir a finalidade específica, informando de forma clara como os dados serão usados;
- Assegurar medidas técnicas e administrativas de segurança, como controle de acesso, criptografia e backups protegidos;
- Permitir o acesso e a exclusão de dados mediante solicitação do titular;
- Manter registros de todas as operações de tratamento, especialmente em plataformas baseadas em nuvem.
O descumprimento pode gerar responsabilidade civil, administrativa e até penal, especialmente se houver vazamento de dados sensíveis [2].
Os riscos da IA mal configurada
Embora a IA traga eficiência, ela também amplia a superfície de exposição de informações. Entre os riscos mais comuns estão:
- Gravação inadvertida de áudios ou consultas sem autorização expressa;
- Armazenamento de dados em servidores estrangeiros sem política clara de compliance;
- Exposição de informações sensíveis em relatórios automáticos ou mensagens a responsáveis;
- Uso de dados para treinamento de modelos de IA sem anonimização adequada;
- Falta de controle sobre quem acessa ou manipula os registros clínicos digitais.
Esses riscos podem ser minimizados com políticas internas de governança de dados, auditorias periódicas e uso de soluções que adotem criptografia e armazenamento local ou em servidores certificados (como ISO 27001).
Como clínicas e hospitais podem se adequar
A proteção de dados não depende apenas da tecnologia, mas também da cultura organizacional. Algumas boas práticas recomendadas incluem:
- Treinamento da equipe sobre ética digital e LGPD;
- Implementação de termos de consentimento eletrônico para uso de dados e gravações;
- Controle de acesso por níveis hierárquicos, garantindo que cada colaborador veja apenas as informações pertinentes à sua função;
- Anonimização de dados clínicos utilizados em relatórios estatísticos ou treinamentos de IA;
- Auditorias periódicas de segurança da informação e conformidade.
Empresas desenvolvedoras de soluções veterinárias com IA também devem oferecer transparência algorítmica, informando como os dados são tratados e se são compartilhados com terceiros.
O papel ético do médico-veterinário
Mais do que cumprir a lei, proteger dados é uma questão de responsabilidade ética e profissional. O Código de Ética do Médico-Veterinário (Resolução CFMV nº 1.465/2023) já estabelece a confidencialidade como princípio obrigatório do exercício da profissão.
O médico-veterinário é o guardião das informações que lhe são confiadas — e, com o uso de IA, passa a ser também o responsável por supervisionar como a tecnologia armazena, processa e compartilha essas informações.
A relação de confiança entre profissional e responsável depende da certeza de que os dados do animal e da família estão seguros. Preservar essa confiança é essencial para o bom exercício da Medicina Veterinária contemporânea.
Conclusão
A Inteligência Artificial veio para ficar na Medicina Veterinária — mas com ela cresce a responsabilidade sobre a proteção dos dados que sustentam o atendimento. Garantir a segurança da informação, o consentimento informado e o uso ético da tecnologia é dever não apenas legal, mas moral do médico-veterinário.
O futuro das clínicas inteligentes não depende apenas da IA mais avançada, mas também de profissionais e empresas comprometidos com a confidencialidade, a transparência e o respeito à privacidade.
Referências
BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União, Brasília, 15 ago. 2018.
CFMV – Conselho Federal de Medicina Veterinária. Resolução nº 1.465, de 22 de setembro de 2023. Aprova o Código de Ética do Médico-Veterinário. Brasília: CFMV, 2023.
GOMEZ-CABELLO, C. A. et al. Artificial-Intelligence-Based Clinical Decision Support Systems in Primary Care: A Scoping Review of Current Clinical Implementations. European Journal of Investigation in Health, Psychology and Education, v. 14, n. 3, p. 685–698, 2024.
FELDMAN, M. J. et al. Dedicated AI Expert System vs Generative AI With Large Language Model for Clinical Diagnoses. JAMA Network Open, v. 8, n. 5, e2512994, 2025.

