Autores:
Abílio Rigueira Domingos – CRMV MG 7365
Gustavo de Castro Bregunci – CRMV MG 7160
O avanço da Inteligência Artificial na Medicina Veterinária exige novas reflexões sobre ética, responsabilidade profissional e proteção de dados — um desafio que vai além da tecnologia.
A nova fronteira ética na prática veterinária
A Inteligência Artificial (IA) já está transformando a rotina das clínicas veterinárias, seja na triagem automatizada, no diagnóstico por imagem ou na gestão de hospitais.
Mas à medida que essas ferramentas se tornam mais poderosas, cresce também a necessidade de delimitar suas responsabilidades éticas e legais.
A Medicina Veterinária vive hoje o mesmo dilema enfrentado pela saúde humana: como equilibrar inovação tecnológica e segurança profissional, garantindo que as decisões clínicas continuem sob a responsabilidade do médico-veterinário.
Enquanto os benefícios da IA — como precisão diagnóstica e eficiência operacional — são evidentes, a ausência de normas específicas e diretrizes regulatórias ainda gera incertezas sobre o uso, o armazenamento e o compartilhamento de dados sensíveis [1].
Responsabilidade profissional e limites da automação
De acordo com os princípios estabelecidos pelo Código de Ética do Médico-Veterinário (CFMV, 2023), o profissional é o único responsável pelas decisões clínicas que envolvem diagnóstico, prognóstico e tratamento.
A IA deve ser compreendida como uma ferramenta de apoio, e não como um substituto do raciocínio médico.
Estudos recentes reforçam essa necessidade de supervisão.
Uma análise publicada no JAMA Network Open comparou sistemas de IA generativa e especialistas humanos, e constatou que, embora a tecnologia apresente resultados consistentes, ainda há risco de vieses, imprecisões e interpretações incorretas [2].
Assim, recomenda-se que todos os laudos, diagnósticos ou recomendações produzidos com auxílio de IA sejam validados por um médico-veterinário, assegurando que a decisão final seja humana e ética.
Privacidade e proteção de dados
Outro ponto crítico é a privacidade das informações clínicas e pessoais associadas a tutores e pacientes animais.
No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) (Lei nº 13.709/2018) aplica-se também aos dados veterinários, uma vez que envolvem informações pessoais sensíveis — como histórico de atendimento, dados financeiros e contatos dos responsáveis.
A coleta, armazenamento e processamento dessas informações por sistemas de IA devem seguir princípios de:
- Finalidade — o dado só pode ser utilizado para o propósito informado;
- Segurança — devem ser adotadas medidas técnicas para evitar acessos não autorizados;
- Transparência — o cliente deve ser informado sobre como e por quem seus dados são processados;
- Consentimento — o responsável pelo animal precisa autorizar o uso de informações em plataformas digitais [3].
Esses parâmetros se aplicam a todas as soluções de IA integradas a prontuários eletrônicos, sistemas de triagem, plataformas de CRM e serviços automatizados de comunicação.
Regulação e o papel das entidades de classe
O tema da regulação da IA em saúde animal começa a ganhar espaço nas entidades representativas da Medicina Veterinária.
O CFMV e os Conselhos Regionais (CRMV) vêm discutindo diretrizes para orientar o uso ético de tecnologias emergentes, especialmente quanto à autonomia profissional e à rastreabilidade das decisões clínicas.
Na União Europeia, a AI Act (Lei de Inteligência Artificial, 2024) já classifica sistemas aplicados à saúde como “de alto risco”, exigindo certificações, auditorias de algoritmo e relatórios de impacto ético [4].
Esse tipo de regulação internacional tende a servir de modelo para futuras normativas brasileiras.
Empresas brasileiras que desenvolvem soluções de IA veterinária, como a ConnectVets, já incorporam boas práticas de governança, incluindo protocolos de segurança digital e auditoria ética em seus sistemas [5].
Desafios e perspectivas
O avanço da IA na veterinária exige que profissionais, gestores e órgãos reguladores trabalhem juntos para garantir:
- Transparência algorítmica, com explicação clara sobre como os sistemas chegam às suas conclusões;
- Supervisão humana constante, assegurando que a tecnologia não substitua o julgamento clínico;
- Regulamentação específica para o setor veterinário, com apoio das entidades de classe;
- Capacitação ética e digital, preparando os médicos-veterinários para o uso responsável da IA.
A consolidação de um marco regulatório ético e técnico será essencial para que a IA atue de forma segura, confiável e alinhada aos valores da Medicina Veterinária.
O que aprendemos com tudo isso
A ética na Inteligência Artificial não é apenas um tema teórico — é um pilar fundamental da prática veterinária moderna.
Cabe ao médico-veterinário compreender os limites da automação, proteger os dados sob sua guarda e garantir que as decisões clínicas continuem humanas e responsáveis.
A tecnologia deve ser uma parceira, não uma substituta.
Somente assim a IA poderá cumprir seu verdadeiro papel: ampliar o alcance da Medicina Veterinária sem comprometer sua essência ética e científica.
Referências
- GOMEZ-CABELLO, C. A. et al. Artificial-Intelligence-Based Clinical Decision Support Systems in Primary Care: A Scoping Review of Current Clinical Implementations. European Journal of Investigation in Health, Psychology and Education, v. 14, n. 3, p. 685–698, 2024.
- FELDMAN, M. J. et al. Dedicated AI Expert System vs Generative AI With Large Language Model for Clinical Diagnoses. JAMA Network Open, v. 8, n. 5, e2512994, 2025.
- BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Diário Oficial da União, Brasília, 15 ago. 2018.
- EUROPEAN PARLIAMENT. Artificial Intelligence Act (AI Act). Brussels: European Union, 2024. Disponível em: artificialintelligenceact.eu.
- CONNECTVETS. Soluções em Inteligência Artificial Aplicadas à Medicina Veterinária. Belo Horizonte: ConnectVets, 2025. Disponível em: connectvets.com.br.

